Título: Quando a China dominar o Mundo: O Final do Mundo Ocidental e o Advento de uma Nova Ordem Global
Autor: Jacques Martin
Escrito em Inglaterra e fortemente apoiada em realidades geopolíticas, Jacques Martin lançou um desafio. Todos os que pretenderem contestar a tese deste livro, de que o título e subtítulo são resumos eloquentes, deverão munir-se de provas e argumentos ainda mais convincentes do que os do autor.
Em resumo, ele afirma que o domínio do Ocidente, liderado nos tempos mais recentes pelos Estados Unidos, será em breve substituído pela influência insinuante da China. O autor está ciente da controversa e, para muitos, assustadora natureza das suas afirmações, pelo que procura apoiá-las num impressionante conjunto acontecimentos históricos, económicos e factos da actualidade.
O autor começa por anunciar o fim da ordem mundial ocidental - ou pelo menos da sua predominância ao longo dos últimos duzentos anos. Para ele, a crise financeira em 2008, marcou uma viragem decisiva na história mundial. Não foram só os triliões de dólares varridos dos livros contabilísticos dos investidores, mas a falência de todo o sistema que ficou publicamente exposto. O autor realça o facto de que o relatório do Conselho da Segurança Nacional dos EUA para 2009 "represente uma mudança de 180 graus" em relação aos anos anteriores, prevendo um mundo em que a América passará a ser apenas mais um dos vários parceiros importantes.
De facto, o declínio dos Estados Unidos, baseado na sua debilidade económica, dá corpo a uma das faces importantes da tese do autor. A China encontra em expansão exatamente quando a influência da América no mundo entra em declínio. A presente Crise Financeira não tem fim à vista. A crise da dívida soberana que nos últimos meses assolou quase toda a Europa e que muitos analistas preveem poder vir a engolfar também os EUA, apenas confirma e reforça o ponto de vista do autor, uma vez que, inversamente, a situação financeira da China se encontra basicamente saudável.
E quanto à China? Será que ela realmente virá a "dominar" o mundo? Aqui, o título é um pouco enganador, uma vez que o autor não prevê que as tropas chinesas venham a ocupar as cidades de um império mundial, como as legiões romanas, ou o exército britânico ou os soldados russos fizeram no passado. Ele nem sequer prevê uma proliferação de bases militares chinesas, em lugares remotos, para substituir as dos Estados Unidos.
Não, ele refere-se a um domínio global que rivalizará e até mesmo ultrapassará o do outrora todo-poderoso Ocidente, no auge do seu poder. O crescimento económico da China constitui o núcleo da sua força e da tese do autor. Dada a sua enorme população e a sua enorme extensão geográfica, a China tornar-se-á o parceiro mais importante e indispensável da economia mundial. Produtores, compradores e vendedores terão que tomar muitas, senão a maioria, das suas decisões em função da China, assim como dezenas de nações têm feito em relação aos Estados Unidos nas últimas décadas.
Os investimentos que a China tem efetuado nas economias da África e da América Latina, e a dependência de estados a Ásia Oriental ao mercado chinês para as suas exportações, permitir-lhe-ão uma presença e poder que nem mesmo os Estados Unidos da América possuíam. Os prognósticos que o autor faz sobre a China conquistar maior voz e votos em instituições como o FMI e o Banco Mundial tornaram-se realidade nos últimos meses, assim como a sua convicção de a China forjar alianças com as outras nações do BRIC e laços monetários e económicos bilaterais com os principais parceiros comerciais. O autor prevê ou o fim do atual sistema de Bretton Woods ou a criação de um sistema paralelo que em breve passaria a ser muito mais importante. Parece que o foco da sua atenção está sendo confirmado, quase todas as semanas. O declínio do dólar e do euro (cuja própria sobrevivência está em causa) irá fazer aumentar o valor do yuan, que pode até tornar-se numa - ou mesmo - na moeda de reserva de eleição.
Aliado ao poder económico, outras formas de poder virão. O poder militar da China, diz ele, poderá vir a ganhar supremacia no teatro do Extremo Oriente, do Sueste da Ásia e talvez até no sul da Ásia, com a Índia cercada por clientes e bases chineses. A sua influência diplomática só vai crescer e a posição da China como membro do Conselho de Segurança será reforçada através de uma crescente influência junto às capitais de todo o mundo, assim como em organismos internacionais como a OMS e a OMC.
Com base na sua longa história e rica cultura, a influência da China estender-se-á às artes visuais, cinema, desportos (veja o que aconteceu com os Jogos Olímpicos de 2008) e a língua. Apesar da sua notória dificuldade, milhões de estudantes estão a procurar aprender o mandarim como uma ferramenta essencial para o sucesso. As universidades chinesas já atraem quase cem mil estudantes estrangeiros todos os anos e estão prestes a juntar-se ao clube das instituições de ensino superior mais bem reputadas do mundo. Nas ciências e tecnologias, o avanço da China tem sido igualmente dramático e o aperfeiçoamento da qualidade dos seus cientistas e engenheiros poderá em breve fazer com que o seu número impressionante se transforme numa força avassaladora no mundo da investigação, onde as suas publicações já são impressionantes.
A comida chinesa, já quase omnipresente, e a medicina tradicional chinesa ir-se-ão impondo cada vez mais no quotidiano das populações mundiais. Os turistas chineses, cheios de dinheiro e ansiosos para viajar, já estão a superlotar os destinos mais famosos da Ásia e podem, em breve, ter o mesmo impacto na Europa e nas Américas, enquanto a Grande Muralha e outros locais transformarão a China no país mais visitado da terra.
"A parte fulcral do livro é a afirmação de que, longe de haver uma única modernidade, haverá, de facto, muitas”. Noutras palavras, a "modernização" não significará "ocidentalização", como muitos acreditavam após a queda do império soviético em 1989. Como Singapura e o Japão demonstraram, um país pode ser bastante moderno, sem perder a sua cultura tradicional ou transformar-se numa democracia do estilo ocidental (o autor adora fazer ressaltar que o Japão só parece ser uma democracia plena).
Prevendo, naturalmente, uma forte oposição ao seu argumento, Jacques constrói o seu caso ao longo de centenas de páginas cuidadosamente arquitetadas e bem documentadas. No entanto, alguns leitores poderão ter reservas, pelo menos pelas seguintes razões:
Embora ele refira que um abrandamento do crescimento económico, ou um incremento de manifestações violentas, que tanto preocupa Pequim, poderia causar sérios problemas ao Partido Comunista e que está ciente de que o problema da corrupção "continua a ser substancial e intrincado, pois as suas causas estão profundamente enraizadas no próprio Partido e na miríade de conexões guanxi ", o autor, ainda assim, afirma que os atuais líderes se manterão firmemente no controlo do poder por décadas. Dos vários cenários possíveis que o autor examina, o que lhe parece mais provável é uma transição muito lenta para um sistema semelhante ao de Singapura.
Outros não estão tão otimistas quanto ao futuro do partido. E se houver outro surto do gás SARS, ou equivalente? Ou outro grande terremoto? E se a Crise Financeira se aprofundar e as exportações da China diminuírem para um nível abaixo do nível necessário para manter um crescimento sustentado? O que acontecerá se a situação na península coreana detonar numa guerra aberta, arrastando consigo os Estados Unidos?
A renúncia do governo atual à política económica de mercado livre, apesar de ter sido altamente eficaz até agora, apresentou deslocamentos característicos das economias planificadas. O historial do socialismo não recomenda que todos se sintam otimistas quanto ao crescimento continuado da economia chinesa. Muitos estão já pedindo a explosão da "bolha" da China, enquanto outros lamentam a perda de eficiência característica de economias estatais.
Embora não pretenda alvitrar em nome do autor, o meu palpite é que ele iria rebater essas questões com a reafirmação de sua tese geral, de que a continuação de algumas tendências parece quase inevitável. A fação de Xangai poderia voltar ao poder e pressionar no sentido de se caminhar para um menor controlo governamental da economia. Embora o autor não mencione tal cenário, mesmo que o partido seja derrubado por rejeição popular maciça contra a corrupção, outros têm avançado a hipótese de que o Exército poderia entrar em cena formando um "governo de salvação nacional" e restaurando a ordem. Um regime militar iria apenas intensificar as tensões distintamente nativistas da sociedade chinesa, que o autor considera fundamental para a sua tomada de atitude futura quer em relação a outros países quer ao seu próprio papel no mundo.
Muitos não aceitarão facilmente a ideia da gradual e dramática extinção da América, mas alguns acreditam que a sua despromoção da posição de superpotência mundial pode ser muito mais abrupta do que até mesmo aquilo que o autor refere, apesar de o seu livro conter advertências alarmantes relativas ao futuro próximo e a tempos traumáticos para os americanos que, refere ele, estão quase totalmente desprevenidos sobre o que lhes está para acontecer. A falência virtual do Ocidente, incluindo a dos Estados Unidos, pressagia uma perda enorme e potencialmente repentina de poder que poderia encurtar significativamente o cronograma que o autor propõe.
Embora ele reconheça a corrupção endémica que permeia a sociedade chinesa, o autor parece não entender os efeitos debilitantes que isso tem sobre o ânimo das pessoas, nem ele diz muito sobre o que os próprios chineses veem como a podridão moral corrosiva que corrói o âmago da civilização. Até que ponto um país nessas circunstâncias se pode tornar quase ingovernável?
O crescente papel dos líderes mais jovens que regressam do Ocidente, especialmente dos Estados Unidos Estados, com perceções e expectativas significativamente mudadas, parece não ter sido devidamente tomado em conta pelo autor.
Outro grande problema com este livro, em todo o resto tão poderoso, é a sua total focalização no aspeto secular. Como a maioria dos analistas, o autor ignora completamente o componente religioso da sociedade chinesa, embora repetidamente se refira à base moral confuciana. Para o autor, o crescimento impressionante do cristianismo, especialmente entre os empresários chinesas e os líderes intelectuais, não tem nenhuma importância, se é que ele está ao par desta tendência fundamental. No longo prazo, no entanto, ele poderá estar certo, mesmo neste ponto, pois noutras épocas anteriores e noutras áreas do mundo, o cristianismo não se tem distinguido por silenciar desejos nacionalistas e imperialistas. Uma igreja chinesa altamente cooperante poderia, de fato, fornecer combustível para o tipo de desígnio mundial que o autor anuncia, especialmente se alguns dos futuros chineses "Constantinos", fortemente pressionados para manter o seu império coeso, elejam inteligentemente uma igreja que possa ter o desejo ardente de "influenciar" o governo.
Isso leva-nos ao que parece ser o segundo ponto principal do autor, que em meu entender ele analisa com uma força quase que imparável: aconteça o que acontecer no futuro, a China não se tornará ocidentalizada, ou um país neoliberal, mas uma sociedade absolutamente chinesa, com determinadas características herdadas da sua longa e extremamente poderosa história e cultura.
Assim, ele conclui o livro com uma reafirmação das "diferenças que definem a China" e que em grande parte darão cor à sua futura posição num mundo cada vez mais sino-cêntrica:
1. A China não é um estado-nação no sentido moderno, mas um estado-civilização. Não encontra a sua identidade em fronteiras arbitrariamente definidas (embora estas sejam importantes), mas na sua cultura e história milenar. Irá "procurar alimento, inspiração e paralelos no seu passado, tanto nos “milénios de glória” como no "século de humilhação”. Como outrora, o Estado será "crucial na sociedade e será tão sacrossanta como era na época imperial."
2. "A China está cada vez mais inclinada a conceber as suas relações com a Ásia Oriental em termos de um sistema estado-tributário, ao invés de Estado-nação”, em que a profunda desigualdade de poder (com a China assumindo-se como o líder incontestável) traz estabilidade. Outros países, nomeadamente alguns da África, poderão ser tratados da mesma maneira, não como iguais, mas como inferiores reconhecendo a superioridade da China.
3. O povo chinês possui uma "atitude distintamente chinesa para com a raça e a etnia." Embora a história possa indicar o contrário, os chineses Han acreditam que todos eles são derivados de um antepassado comum; que a sua raça se desenvolveu em paralelo e não derivou de outras raças; e que eles são superiores a todos as outras raças. As acusações de racismo são veementemente negadas pelos próprios chineses, mas o autor acredita que ele tem a prova que demonstra que "isto está enraizado na psique chinesa”. A sua mentalidade de "império do centro" fará com que a China "permaneça distante, escondida numa nova hierarquia da humanidade, sendo o seu sentimento de superioridade baseado numa combinação de arrogância cultural e racial”.
4. A China vai continuar a operar a partir de uma "plataforma continental de dimensões bem diferentes das outras nações." É realmente uma combinação de vários, mesmo muitos países diferentes. "Este caráter singular da China permite a realização de experiências (como as reformas de mercado) numa determinada área sem necessariamente ter que aplicá-las noutro local.
5. A forma de governo da China continuará a ser distinta: o Estado nunca foi obrigado a "partilhar o poder com ninguém", ou “a prestar contas ao povo”. Tem sempre "presidido à sociedade, de forma suprema e incontestável”. Naturalmente que, a moral confuciana, que defende o Estado, com seu conceito do Mandato dos Céus, inclui um pacto implícito com o povo. Se o governo não conseguir prover ao sustento material essencial, ou permitir a continuação da corrupção desenfreada, pode perder a sua legitimidade e ser substituído.
6. A "Modernidade chinesa ... distingue-se pela velocidade de transformação do país." Por décadas, irá englobar as zonas urbanas modernizadas e as zonas rurais subdesenvolvidas. O passado e o presente serão justapostos, por um período longo, o que significa que a força da história e da tradição vai fazer sentir a sua influência por muito tempo.
7. O Partido Comunista tem governado a China desde 1949. Caracterizado pela flexibilidade e pragmatismo, reinventa-se a si próprio permanentemente e, portanto, a sua probabilidade de permanecer no poder é significativa.
8. Nas "próximas décadas a China combinará as características de um país desenvolvido com as de um país em desenvolvimento", e o sentimento de injustiça será compartilhado por todas as países ex-colonizados combinados com o poderio de um gigante independente.
Como resultado dessas "diferenças", o impacto que a China vai ter no mundo apresentará formas e maneiras inesperadas por grande parte dos pensadores ocidentais. A sua influência será exercida de forma mais maciça que a do Ocidente e assumirá uma forma singularmente chinesa.
"Como potência mundial, a maior preocupação com a China reside... [no] seu profundamente enraizado complexo de superioridade... Se o cartão de visitas do Ocidente foi, muitas vezes, a agressão e a conquista, o da China será o seu arrogante sentido de superioridade e o espírito de hierarquização que isso criou. “ (Neste ponto, recordamo-nos de Ozymandias de Shelley e, talvez ainda mais, das palavras de uma camponesa da Galileia referida em Lucas 1:51-52).
Aqui, de novo, a minha única questão importante tem a ver com o crescimento do cristianismo. Se esta fé se enraizar na cultura chinesa, o seu impacto poderá ser profundo ao fim de algumas gerações. Será que - talvez pela primeira vez na história da humanidade – isso seria suscetível de promover um espírito de humildade e concórdia nacional? Mas isso pertence ao futuro longínquo. Por agora, a nossa convicção é de que o autor produziu uma análise robusta.
12 Junho de 2010
Dr. G. Wright Doyle
Publicado em: “Sociedade e Política Chinesa, Críticas Literárias”
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