terça-feira, 15 de julho de 2014

Espinhas de bacalhau estão a ser usadas para criar um protector solar

As espinhas do peixe que os portugueses tanto gostam podem ser muito mais do que os restos que ficam no prato. No Porto, uma equipa de cientistas procura dar-lhes uma roupagem completamente nova.


Nos dias de grande calor, não nos contentamos com uma bebida fresca ou um belo gelado. De chinelo no pé, quer vamos até à praia ou à piscina, todos gostamos de estender a toalha e apanhar banhos de sol e o protector solar não pode ficar em casa. E se lhe disserem agora que as espinhas de bacalhau o podem proteger dos raios ultravioletas? Ora é isso que está a fazer uma equipa de investigadores da Escola Superior de Biotecnologia da Universidade Católica do Porto.

Por ano, produzem-se milhares de toneladas de espinhas, que costumam ser aproveitadas no fabrico de rações e farinha de peixe. A ideia de valorizar ainda mais as espinhas de bacalhau remonta a 2010, quando a equipa coordenada por Manuela Pintado, da Escola Superior de Biotecnologia do Porto, começou a tentar obter um composto de cálcio a partir de espinhas de bacalhau. Esse composto é a hidroxiapatite e poderia servir, por exemplo, para fabricar próteses ósseas e dentárias.

Agora, utilizando esse mesmo composto, surgiu uma possível nova aplicação: obter um produto que tivesse a capacidade de proteger dos raios ultravioleta (UV).

Antes de mais, uma breve explicação sobre a radiação ultravioleta. Está dividida em três regiões, consoante o seu comprimento de onda: os raios UVC (200-290 nanómetros), os UVB (290-320 nanómetros) e os UVA (320-400 nanómetros). Enquanto a radiação UVC é essencialmente bloqueada pela camada de ozono, na atmosfera superior, isso não acontece com os raios UVB e UVA. Por isso, estes dois tipos de raios ultravioletas podem ser perigosos para a saúde humana, causando grandes danos na pele, como eritemas e queimaduras solares, e cancros de pele a longo prazo.

Os protectores solares são uma das maneiras mais fáceis e eficazes de evitar os problemas na saúde provocados pelas radiações UVA e UVB. Idealmente, devem proteger a pele tanto dos UVA como UVB. E os UVC, tendo em conta que a camada de ozono não tem estado na sua melhor forma? “Este não é um parâmetro muito importante, porque estes raios são bloqueados pela camada de ozono na alta atmosfera. Quase não chegam aqui à superfície da Terra, por isso não é preciso os protectores solares terem efeito com raios UVC”, responde ao PÚBLICO Clara Piccirillo, cientista de materiais na Escola Superior de Biotecnologia do Porto e que está a trabalhar no desenvolvimento destes novos protectores solares.

O que foi feito então para que as espinhas de bacalhau tivessem capacidade de absorção da radiação ultravioleta? “Basicamente, modificámos a composição das espinhas, que foram deixadas numa solução de ferro. Com esse tratamento, o ferro entrou na estrutura das espinhas”, explica Clara Piccirillo. E é o ferro que lhes confere as propriedades de absorção dos raios ultravioletas.

“Depois, as espinhas foram aquecidas a temperaturas elevadas: a 700 graus Celsius. Desta maneira, foram eliminadas todas as partes orgânicas presentes nas espinhas e o que ficou foi a parte mineral”, continua Clara Piccirillo.

Restou então o principal material constituinte das espinhas em forma de pó: a hidroxiapatite, que é um fosfato de cálcio. Este pó castanho-avermelhado é, aliás, o principal componente dos ossos humanos e dos animais.

“A hidroxiapatite sozinha não é um produto que pode ser usado como filtro solar, porque não absorve a luz ultravioleta. Mas, introduzindo o ferro, há uma modificação na estrutura. Portanto, o material torna-se um protector solar”, explica a investigadora italiana, há cinco anos em Portugal. “Esse pó é o material-base e pode ser usado de muitas maneiras.”

Uma das maneiras é precisamente desenvolver um creme que funcione como protector solar. Numa primeira fase, este pó de hidroxiapatite foi testado sozinho, em laboratório, e os resultados foram positivos, segundo a investigadora. Posteriormente, o pó foi incorporado num creme e também submetido a testes em laboratório. Consoante a percentagem de pó introduzida, o creme adquiriu um tom mais ou menos castanho-avermelhado.

Mais tarde, o creme com 15% de pó foi testado em 20 pessoas sem problemas de saúde e de pele. Esses resultados foram publicados pela equipa na revistaJournal of Materials Chemistry B, no início de Julho. “Este material mostrou boa absorção a toda a gama de UV”, diz o artigo científico, acrescentando-se que “cremes criados com este material podem ser usados como um protector solar de largo espectro”. “O creme também é fotoestável e não causa irritação ou eritemas em contacto com a pele humana”, lê-se ainda.



Fonte: PUBLICO

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